quinta-feira, junho 14, 2007

"E se eu gostasse muito de morrer"

“E se eu gostasse muito de morrer”,

Este livro foi escrito por Rui Cardoso Martins (n. 1967). Rui Cardoso Martins é jornalista, tem uma coluna no jornal “Público” e para além disso tem no seu currículo como argumentista das “Produções Fictícias” textos do programa satírico “Contra – Informação”; a autoria do guião do filme “Zona J”, realizado por Leonel Vieira e também a autoria de textos para a “Conversa da treta” representada por António Feio e José Pedro Gomes, foi igualmente co-autor da série “Sociedade Anónima”. Com este currículo todo era natural que escrevesse um livro e foi isso que fez.

A acção deste livro, passa-se numa cidade do Alentejo, cujo nome nunca é mencionado no texto mas depreende-se que seja em Portalegre, devido a várias pistas dadas pelo autor no decorrer do texto. Para além de ser passado no Alentejo, passa-se também na actualidade, porque as personagens têm telemóvel, Internet, coisas que fazem parte da nossa vida actual e sem as quais a maioria de nós não vive tal como as personagens deste livro.

O autor pegou na temática do suicídio, que tal como ele referencia em epígrafe no livro é mais incidente nesta zona do país do que no restante e a partir daí desenvolve uma história ou talvez várias histórias com elementos comuns em que os personagens e o espaço da cidade e arredores interagem entre si, criando um encadeamento perfeito.

A personagem principal deste livro, é um jovem cujo nome verdadeiro nunca é mencionado mas sim as suas alcunhas, sendo a mais utilizada e pela qual é conhecido no livro, a de “Cruzeta”.

“Cruzeta”, é um jovem que tal como os jovens de hoje, vive o seu dia a dia, atribulado e com várias dúvidas sobre si próprio e sobre o sentido da sua vida. Condicionado à pequenez das cidades de província, nomeadamente no Alentejo, cuja vida monótona e agarrada às tradições, limita a sua existência e a dos seus amigos.

O autor, para alem do “Cruzeta”, cria uma série de personagens, uns amigos dele, outras simples pessoas da terra, cujas histórias mostram bem o arquétipo das pessoas e da vida de província, com todos os seus vícios, hipocrisias, bondades e maldades, acontecimentos bons ou maus que moldam a personalidade das gentes do nosso país.

Essas personagens, tais como: o “Carloto” com a sua camisa às cornucópias, o “Zeca” com o seu amor/ódio ao pai, o “Chico” que foi forçado a deixar a escola para trabalhar com o pai no monte e que também tem importância para o desenvolvimento da narrativa, e outros mais que tal como foi referido atrás com as suas histórias e episódios de vida, contribuem para a construção e interligação da narrativa.

Umas das partes mais importantes a meu ver deste livro, é a parte em que se narra o massacre de “Wiryamu”, em que o exército português massacrou uma aldeia de cerca de 400 pessoas em Moçambique durante a guerra colonial e a participação do bispo da cidade nesse acontecimento, que vai dar seguimento a outra parte “deliciosa” do livro em que o “Cruzeta” tem uma conversa/confissão na casa do bispo, em que o autor expõe muito bem a dualidade das pessoas, na figura do bispo, “…sabe o que é estar anos a fio, desde jovem sacerdote, entre duas frentes de batalha, entre a brutalidade da tropa e dos guerrilheiros…”, e a crítica à actuação da igreja e aos ideais e falta de conhecimento das gerações mais novas sobre esse período da nossa história contemporânea.

“Rui Cardoso Martins”, vai igualmente utilizar o seu livro para falar da nossa actualidade, desde os incêndios, a sinistralidade automóvel em Portugal, aos terroristas e bombistas suicidas de Londres, Madrid e “…mais tarde ou mais cedo em Lisboa…”, a Internet com todas as suas coisas boas e más, desde “chats” onde se pode combinar suicídios, formas para se suicidar e até mesmo pessoas que se oferecem para “suicidar” outras, até à “…fome pelo conhecimento verdadeiro…”

O autor faz também referências culturais na obra, desde a inserção de excertos de poemas de “José Régio”, à discussão de obras de “Dostoievski” tais como “Crime e Castigo” que abarcam a temática da morte. Outra forma original que o autor encontrou para o encadeamento dos episódios, é a inserção de “recortes de jornal”, notícias de suicídios tal como a da jovem e da idosa que se suicidam no mesmo dia à mesma hora mas em partes diferentes da cidade, “epitáfios” nas campas, “cartas”, “minutas” etc.

O final da história é de uma surpresa e concepção fantástica, que deixa em aberto muita coisa… “Não perca o próximo episódio”

Este livro a meu ver está muito bem conseguido, de uma genialidade simples, de fácil leitura mas que faz uma crítica intensa ao nosso pequeno Portugal, com tudo o que tem de mau e de bom, tal como o “Que diz Molero” de “Diniz Machado” (cujos traços se podem observar também neste livro) na altura, este livro foi uma “lufada de ar fresco” na literatura Portuguesa dos últimos anos.

Recomendo a todos a sua leitura.